A aprendizagem é um processo dinâmico e
dependente não só de questões do âmbito escolar, mas fortemente
influenciável pela realidade afetiva oferecida pela família à criança.
Diante disto, este artigo tem por objetivo descrever o papel dos pais na
aprendizagem de menino de 9 anos com dificuldades no desenvolvimento
escolar. Este estudo qualitativo foi estruturado a partir da análise de
rotina de atendimento psicopedagógico, composto por uma sessão de
Anamnese, 5 sessões de diagnóstico e 12 sessões de intervenção. Os
resultados apontaram prejuízo no processo de alfabetização do
investigado causado por intervenção violenta dos pais, podendo-se
concluir que práticas coercitivas parentais têm força suficiente para
reprimir o indivíduo diante do aprender, quadro que pode ser revertido
por meio de acompanhamento psicopedagógico capaz de resgatar a motivação
e a autoestima do educando.
Introdução
Segundo Pantoja (2009), é no
processo de aprendizagem que o indivíduo passa a apropriar-se do
conteúdo da experiência humana, a qual modifica seu comportamento a
partir da interação com outros seres em sociedade. A aprendizagem pode
ocorrer dentro e fora da escola, gerando tanto aquisição de competências
benéficas, quanto hábitos questionáveis, sujeitos a influências
internas ou externas, sociais ou individuais.
Para Vasconcelos (apud PANTOJA, 2009) conhecer é estabelecer
relações, nas quais, quanto mais complexas, melhor o sujeito aprende.
Pantoja (2009) cita ainda que, quanto maior a necessidade de aprender,
maior serão as relações e a motivação empregadas, ficando, portanto,
segundo teorias de Piaget, a afetividade como um dos principais
personagens para o aprender.
José & Coelho (1999) também destacam o fato de a aprendizagem
não ser restrita ao ensino e ao ambiente escolar, mas abranger hábitos,
aspectos afetivos e valores culturais internalizados ao longo da vida. Em mão oposta ao desenvolvimento esperado nas questões
relacionadas ao aprendizado, os problemas de aprendizagem podem ser
entendidos como dificuldades enfrentadas pelas crianças em relação ao
desenvolvimento de seus colegas de mesma faixa de idade, sejam elas em
fase anterior, no início ou no decorrer do processo de escolarização
(MARTIN & MARCHESE apud FONSECA, 1999). Compreendem ainda fenômenos
com causas que podem envolver aspectos socioculturais, pedagógicos,
cognitivos e psicodinâmicos, sendo que, a partir de resultados obtidos
em pesquisa qualitativa, a dinâmica familiar apresenta-se como fonte
principal de tais problemas (SALVARI e DIAS, 2006).
Para Legrand (1974), embora fatores congênitos e sociais estejam ligados ao aproveitamento escolar, é possível a constatação de indivíduos com inteligência desenvolvida não obterem sucesso nos estudos; em situações como esta, falta de interesse ou atenção, não assimilação de conteúdos e até falta de memória culminam em um desempenho insuficiente em sala de aula, o qual pode ser reflexo de perturbações de ordem afetiva. Para o autor, além da forma como é desempenhado o acolhimento da criança pela escola, “o interesse ou desinteresse que os pais mostram pelo trabalho escolar constituem igualmente uma fonte de valorização afetiva” (p. 20).
Salvador (2007), ao apontar que contextos familiares e escolares
são fatores essenciais para o desenvolvimento global da criança, destaca
a importância da relação com os pais como fator socializador e alicerce
para a forma da criança lidar com as questões escolares.
As práticas educativas parentais podem ser definidas como estratégias dos pais para alcançar objetivos pontuais em relação aos filhos, a fim de suprimir ou incentivar comportamentos específicos, sejam eles adequados ou não (ALVARENGA apud SALVADOR, 2007). Tais estratégias podem ser manifestadas tanto sob a forma de práticas educativas não-coercitivas, as quais são caracterizadas pelo uso de reforçadores positivos para o controle comportamental da criança, ou ainda sob a forma de práticas coercitivas, caracterizadas pelo uso de punições, ameaças e castigos para o controle de comportamento.
As práticas educativas parentais podem ser definidas como estratégias dos pais para alcançar objetivos pontuais em relação aos filhos, a fim de suprimir ou incentivar comportamentos específicos, sejam eles adequados ou não (ALVARENGA apud SALVADOR, 2007). Tais estratégias podem ser manifestadas tanto sob a forma de práticas educativas não-coercitivas, as quais são caracterizadas pelo uso de reforçadores positivos para o controle comportamental da criança, ou ainda sob a forma de práticas coercitivas, caracterizadas pelo uso de punições, ameaças e castigos para o controle de comportamento.
De acordo com Salvador (2007), “apesar de terem o mesmo objetivo,
práticas não-coercitivas e coercitivas são responsáveis por diferentes
efeitos no desenvolvimento dos filhos”. Soifer (1992) afirma que “as possibilidades de desenvolvimento
físico e psíquico da criança dependem exclusivamente das condições
materiais e emocionais que lhe oferecem os seus familiares, em especial,
a mãe (p. 150); a criança apresenta necessidade de ajuda externa para
realizar ações, dependência esta amenizada com o passar dos anos e com a
organização do ego a partir da aprendizagem e assimilação de novas
capacidades.
Ainda segundo a autora, a família é responsável pelo ensino e
aprendizagem na relação com as crianças, sendo a transmissão do ensino
pelos pais um ato de regressão parcial destes, a fim de que haja a
compreensão por parte de seus filhos.
A aquisição da aprendizagem, organização do ego e da personalidade
da criança ficam, assim, influenciáveis não só pela sua disposição
própria à aprendizagem, como também a modelos e influências recebidos
pelos pais durante a infância, seus conhecimentos gerais sobre educação e
o contexto social no qual se encontram inseridos.
Fonseca (1999) cita a grande contribuição por parte da família no desenvolvimento de problemas de aprendizagem dos filhos que, ao iniciarem a vida escolar, podem apresentar transtornos decorrentes de “conflitos e crises de um sistema familiar ineficiente”. Como agravante ainda, tal desestruturação familiar no processo corre o risco, muitas vezes, de sofrer uma marginalização sócio-educativa por parte da instituição escolar, criando um círculo vicioso e cego que contribui para a manutenção das dificuldades do educando.
Para Fernandéz (1990), partido de uma visão psicopedagógica, caso os problemas de aprendizagem fossem vistos como derivados apenas do organismo ou da inteligência, não haveria a necessidade da participação ou da investigação da família durante acompanhamento clínico.
“No diagnóstico tradicional, ainda que se incluam os pais, o
centro é a criança paciente; ela é chamada na maioria das vezes, e é ela
que se estuda. Os pais participam somente como informantes e os irmãos
ficam à margem. Com este enquadre, começa-se aceitando e confirmando a
suposição de que o problema está somente na criança. (...) O diagnóstico
tradicional favorece a localização dos pais em um falso lugar do saber.
(...) Nós, tomando como protagonistas a família, pretendemos já desde a
convocação, ter uma intervenção operativa em relação à mobilidade desse
lugar do saber dos pais” (FERNANDÉZ, p. 30).
Ao levar em conta o que foi exposto até aqui, de maneira breve e
sem a pretensão de esgotar o assunto, este estudo tem por objetivo
descrever a influência dos pais no processo de aprendizagem em menino de
9 anos com dificuldades no desempenho escolar.
Método
Trata-se de um estudo qualitativo realizado a partir de caso clínico no qual a criança investigada é um menino de 9 anos de idade, estudante da terceira série em escola da rede municipal de ensino no Litoral Paulista, com dificuldades escolares e encaminhado pela própria família para atendimento em clínica psicopedagógica de universidade privada na mesma cidade.
Segundo relatos da avó paterna durante realização de Anamnese, Bruno apresentou um desenvolvimento normal e esperado desde o nascimento, não havendo, inclusive, queixas ou indícios de comprometimento de ordem cognitiva.
O início de seu processo de alfabetização, por volta dos seis anos de idade, deu-se de maneira convencional e com sinais de bom aproveitamento por parte de Bruno; a dificuldade que originou tal acompanhamento teve início ainda no processo de aquisição da leitura e escrita e foi decorrente de possível trauma causado pela impaciência, pressão psicológica e agressividade física dos pais durante acompanhamento dos estudos em casa, além de violenta crise conjugal que culminou em separação. Como instrumentos de acompanhamento do caso foram utilizados uma primeira entrevista com familiar próximo para o preenchimento de Anamnese e apresentação da queixa; seguiram-se cinco sessões diagnósticas para observação e avaliação do sujeito e mais doze sessões de intervenção psicopedagógica.
Seguindo com os procedimentos, a Anamnese foi o primeiro contato realizado com a família, como dito anteriormente, representada pela avó, e sem a presença de Bruno. A partir de então, tiveram início as sessões diagnósticas (SD), em um número total de cinco, nas quais se destacam os seguintes tópicos explorados: desenho de uma figura humana, prova operatória de conservação de massa e associação de palavras e imagens (SD-1); provas operatórias de seriação complexa e conservação de número, coordenação motora, identificação de letras e palavras, desenho de uma família (SD-2); desenho de par educativo, leitura de imagens, ditado e seqüência numérica (SD-3); prova operatória de inclusão de classes, situações-problema, montagem de palavras e jogo da memória com palavras e imagens (SD-4); atividade sensorial (jogo do tato), dominó com imagens e letras iniciais e desenho livre (SD-5). Feito isto, teve início o período de recesso acadêmico, com duração aproximada de dois meses, e consequente pausa nos atendimentos.
Passado o período de férias, o acompanhamento, então, teve prosseguimento com o início das sessões de intervenção (SI) com duração aproximada de cinqüenta minutos cada e nas quais foram trabalhados: resumo das férias e atividades de escrita livre (SI-1); leitura de palavras simples e associação as suas respectivas imagens, alfabeto móvel (SI-2); continuação do trabalho com alfabeto móvel e jogo de dominó com palavras e imagens (SI-3); leitura de parágrafo simples (com predomínio das consoantes B e D), leitura de palavras aleatórias e separação de sílabas (SI-4); revisão de exercícios programados para casa, ditado de sílabas e confecção de cartão em homenagem ao “Dias das Mães” (SI-5); revisão das habilidades matemáticas (SI-6); leitura, exercícios simples de adição e desenho projetivo (SI-7); reconhecimento das dezenas, contagem de dez em dez e jogo “Bingo das Palavras” (SI-8); manipulação do material dourado para concretizar conceitos de unidade, dezena e centena, além de jogo para associação de figuras e palavras (SI-9); leitura, ditado e manipulação de material dourado (SI-10); trabalho com operações matemáticas básicas, dominó de palavras e “Jogo da Garrafinha” (associação de palavras) (SI-11); revisão de exercícios para casa, leitura do livro de Ana Maria Bohrer, “O bolo”, finalização dos atendimentos com a criança, devolutiva com a avó (SI-12).
Resultados/Discussão
No decorrer das sessões diagnósticas foi possível perceber que, embora constatado o fato de Bruno apresentar capacidades de desenvolvimento e aprendizagem dentro da normalidade, suas produções indicavam certa imaturidade para a idade, além de insegurança; nos desenhos predominaram traços primitivos e lentos; a habilidade com operações matemáticas mostrou-se limitada, sendo a maior dificuldade a apresentada na área da leitura e escrita, a mais castigada pelas ações parentais coercitivas apontadas por Alvarenga (apud SALVADOR, 2007) durante o processo de alfabetização. Embora reconhecesse algumas letras isoladas do alfabeto, a criança não conseguia unir sons de consoantes e vogais, formar sílabas simples ou registrá-las de forma escrita.
Apesar das grandes dificuldades na fase inicial de atendimento, em
todos os momentos Bruno mostrou-se atencioso e disposto a realizar suas
atividades, assimilando conceitos e coordenadas de maneira satisfatória
quando estimulado de maneira correta.
Retomando Soifer (1992) ao dizer que o desenvolvimento da criança
depende também das questões emocionais e da ajuda oferecidas por seus
pais, Bruno desde o início apresentou-se apreensivo e pouco confortável
nos momentos em que foi acompanhado pela mãe às sessões; seu melhor
desempenho acontecia sempre quando em presença da avó paterna, talvez o
único referencial paciente e disposto a acompanhá-lo verdadeiramente em
seu desenvolvimento escolar.
As sessões de intervenção decorreram dentro do programado e, apesar de algumas interrupções devido a questões de saúde de Bruno, o aproveitamento foi satisfatório.
As sessões de intervenção decorreram dentro do programado e, apesar de algumas interrupções devido a questões de saúde de Bruno, o aproveitamento foi satisfatório.
Durante os atendimentos pôde-se constatar que, assim como o
apontado por Legrand (1974), as dificuldades de aprendizagem
apresentadas no caso em questão não eram frutos de comprometimento
cognitivo, mas sim de considerável deficiência de ordem afetiva que
culminaram em bloqueio no desenvolvimento do paciente. Por meio de um
trabalho psicopedagógico amparado no acolhimento, em estímulos e
orientações específicas que buscavam resgatar conhecimentos adormecidos e
promover a motivação para aprendizagem defendida por Pantoja (2009),
Bruno mostrou-se capaz de construir e reconstruir conceitos, além de
assimilar e internalizar de maneira satisfatória o que de novo lhe era
repassado.
As habilidades matemáticas básicas foram fortalecidas, sendo o
maior progresso o obtido nas questões de leitura e escrita, tão
castigadas no início do processo de alfabetização; a caligrafia
apresentou melhora, assim como a capacidade em assimilar fonemas para a
formação de palavras e a leitura destas. A cada sessão mostrava-se
sensível a melhora nesta habilidade específica, além da satisfação de
Bruno em conseguir realizar suas tarefas. O momento da devolutiva com a avó foi marcado pelo contentamento
desta diante da evolução de Bruno, o qual, além de começar a ter
refletida a melhora em seu contexto escolar, passou a apresentar uma
postura mais receptiva diante do conhecimento e a comentar sonhos que
incluem formação acadêmica e estruturação de uma família sólida. Embora
não seja possível ter certeza sobre acontecimentos futuros, falas como
esta, ainda que ingênuas, podem sugerir que o trabalho realizado, embora
breve, não foi em vão.
Considerações Finais
Diante de casos de insucesso em tal questão, porém, um trabalho
psicopedagógico que leva em consideração não só o indivíduo com
dificuldades escolares, mas também sua realidade familiar, baseado na
motivação e resgate da autoestima, tem se mostrado eficaz no resgate das
habilidades de aprendizagem e desempenho escolar.
FERNANDÉZ, A. A inteligência aprisionada. Tradução Iara Rodrigues. 2ª reedição. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
FONSECA, N. G. A influência da família na aprendizagem da criança. Projeto de Pesquisa. Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica - CEFAC. São Paulo, 1999.
JOSÉ, E. da A. & COELHO, M.T. Problemas de aprendizagem. São Paulo: Ática, 1999.
LEGRAND, L. Psicologia Aplicada à Educação Intelectual. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974.
PANTOJA, D. O processo de aprendizagem – A construção do conhecimento. In: WAJNSZTEJN, Alessandra B. Caturani & WAJNSZTEJN, Rubens. Dificuldades escolares: um desafio superável. 2² edição. São Paulo: Ártemis Editorial.
SALVADOR, A. P. V. Análise da relação entre práticas educativas parentais, envolvimento com tarefas escolares, depressão e desempenho acadêmico de adolescentes. Dissertação de Mestrado. Curitiba, 2007.
SALVARI, L.F.C & DIAS, C.M.S.B. OS problemas de aprendizagem e o papel da família: uma análise a partir da clínica. Estudos de Psicologia, 23 (3), (pp. 251-259).
SOIFER, R. Psiquiatria Infantil Operativa. Tradução José Cláudio de Almeida Abreu. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
Autores: Hevellyn Ap. das Neves de Amorim e Renata Cristina Nascimento Nogui
Fonte: http://www.psicopedagogia.com.br/new1_artigo.asp?entrID=1447
Nenhum comentário:
Postar um comentário